Pequenos pontos comerciais e restaurantes se intercalam com casas simples, a 116Km de Natal, na cidade de Parazinho, região Agreste do Rio Grande do Norte. O desenvolvimento demora a chegar ao município, constituído oficialmente em 1963. De uma população de quase 5 mil habitantes, quase 1/4 vive, hoje, em situação de extrema pobreza. Na definição do governo, significa viver sem renda ou com até R$ 70 por mês. Até o ano passado, conseguir emprego, alí, também era difícil. Quem não encontrasse vaga na prefeitura ia parar na lavoura ou em outros municípios. Mas, há pelo menos um ano, nem sempre tem sido assim. Novas oportunidades começam a surgir embaladas por obras e a produção de equipamentos para uma nova indústria: a que gera energia. A partir dos ventos.
Pelo menos 19 empreendimentos que usarão essa "matéria-prima" para gerar energia deverão ser erguidos no município nos próximos anos. É o maior número previsto para o Rio Grande do Norte. E com os projetos, o número de carteiras assinadas na região também nunca foi tão grande.
Atraídos por perspectivas de crescimento abertas com a chegada dos empreendimentos, trabalhadores que haviam partido em busca de outras oportuniaddes regressam, negócios são abertos e movimentam, aos poucos, o município. As mudanças - também atravessadas por dezenas de outras cidades brasileiras escolhidas como sedes dos chamados parques de geração - podem ser medidas com a ajuda de alguns indicadores econômicos. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, por exemplo, mostra que, de janeiro a agosto deste ano, o saldo de empregos em Parazinho chegou a 374. Parece pouco, mas é o maior desde 2003, quando teve início a série histórica. Até então, o maior número nesse período não havia passado de 53. Outra diferença é o perfil das oportunidades criadas. Enquanto antes era o setor agropecuário que mais contratava, agora as vagas se multiplicam para funções como alimentadores de linha de produção, serventes de obra, armadores de estrutura de concreto e pedreiros. O avanço das vagas na construção está diretamente ligado à implantação dos parques eólicos.
Apenas a Wobben, fabricante de equipamentos que está implantando um parque da CPFL Renováveis na Associação Alívio, comunidade na Zona Rural do município, contratou de forma direta 470 pessoas para a obra. Outras 279 trabalham na fábrica de torres, que a multinacional instalou nas proximidades, ou em empresas terceirizadas que ajudam a executar o serviço. Adriano Luiz da Silva, 25, faz parte desse grupo. Ele é um dos moradores da Associação Alívio e começou a ir para a "roça" aos 10 anos. Acostumou a trabalhar alugado, preparando a terra, plantando e colhendo melão, tomate e outros produtos nas terras de terceiros. Agora trabalha de vigia.
Adriano usa uniforme, botas e exibe no terraço da casa de cinco cômodos que divide com a mãe, o pai, a irmã, o cunhado e a avó, uma de suas conquistas, fruto do primeiro trabalho com carteira assinada: um carro, que facilita o deslocamento até a cidade. "A previsão da firma é ficar até fevereiro do próximo ano. Se sair vou tentar outra vaga. Não quero ficar parado", diz ele.
O aquecimento do mercado de trabalho em Parazinho também tem servido de impulso para que gente como Marjory Bertoldo, 27, façam o caminho de volta. Há cerca de cinco anos, ela foi morar em Mossoró. De volta a Parazinho, já trabalhou numa loja de móveis e eletrodomésticos e depois virou uma espécie de gerente na única pousada da cidade - construída pelos mesmos donos da loja. Primos que estavam espalhados por outros municípios também regressaram. Junior Lopes Fonseca, 25, foi outro. Virou vigilante numa das empresas terceirizadas que prestam serviço nas obras da região. "Trabalho aqui era arranca de toco e limpa de mato. Era preciso ir embora para encontrar, ou não, coisa melhor", diz. Antes de voltar para o município, Junior estava em Natal onde trabalhou em padaria, em lavajato e também como auxiliar de serviços gerais (ASG). Voltou por causa da perspectiva de conseguir outro emprego. E conseguiu, três semanas após ter entregue o currículo.
"Esses projetos têm efeito multiplicador na geração de empregos porque chamam gente de outras cidades e não só do município onde estão sendo erguidos", observa o diretor-geral do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne) e ex-secretário de Energia do RN, Jean-Paul Prates.
Projetos dão chance a quem tem baixa escolaridade
A chegada da Wobben em Parazinho demandou a realização de reuniões para explicar à população o que era energia eólica, o que a empresa pretendia implantar ali e o que traria de benefício. A palavra emprego fez brilhar os olhos de agricultores como Adriano. "Quando teve início o recrutamento, conseguimos juntar em torno de 800 currículos", lembra o assessor da Wobben, Fernando Scapol. O recrutamento teve início há pouco mais de um ano com uma regra básica: teriam prioridade na contratação habitantes da cidade e de comunidades rurais localizadas na área. Quando se esgotassem os possíveis candidatos passariam então a ser chamados os interessados de outros municípios. Com a escolaridade baixa de boa parte dos candidatos, a empresa teve de abrir mão de pré-requisitos como a exigência do ensino médio, até então considerado essencial nos processos de seleção.
A mudança acabou abrindo portas para gente como Genilson Paulino do Nascimento, 43, que nunca pisou numa sala de aula e até então só tinha trabalhado no campo, criando animais ou na lavoura, "alugado" para fazendeiros. O homem ganhava no máximo R$ 80 por semana. O dinheiro mal dava para "comer". Na fábrica de torres de concreto, implantada pela Wobben, ganha R$ 660 por mês (o que por semana significaria R$ 165). A renda certa e mais robusta tem ajudado aos poucos a melhorar a vida. Ele comprou ovelhas e uma TV "zerada". Também sonha em comprar um carro. O trabalho na fábrica é o primeiro com carteira assinada. "Construo sem saber o que estou construindo, nem para que vai servir. Não queria saber disso. Só queria saber que teria um emprego", diz ele.
De acordo com Scapol, a Wobben planeja colocar em prática, até 2012, um programa de alfabetização para adultos, replicando uma ação que já desenvolve na fábrica de pás que implantou no Ceará. Como não tinham experiência com o trabalho fabril, diz ele, os trabalhadores foram treinados "on the job", já colocando a mão na massa. A missão de ensinar o ofício ficou a cargo de trabalhadores que já haviam sido treinados em outras unidades da companhia, como o montador mecânico Marleno Araújo de Freitas, 38, e o líder de armação Francisco Bezerra Barbosa, 35, que vieram da fábrica de Pecém (CE). O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) reforçou o treinamento, na parte de mecanização.
A Wobben produz em Parazinho de 4 a 5 torres completas por mês, com 100 metros de altura - mais que o dobro do tamanho da estátua do Cristo Redentor - e 800 toneladas cada. A fábrica começou a operar em janeiro de 2011. Fez todas as torres para um parque que a Petrobras está implantando no município de Guamaré e agora trabalha para equipar o parque da CPFL renováveis que foi incumbida de implantar nas terras da associação Alívio. Para dar conta da produção, 279 empregados se revezam em três turnos de trabalho, 24 horas, de domingo a domingo. Em 22 de fevereiro os primeiros trabalhadores foram contratados. Pelas contas da companhia, 70% deles encontraram ali o primeiro trabalho com carteira assinada. Do total de contratados, cerca de 57% eram dalí mesmo de Parazinho. O restante veio de cidades como Mossoró, Guamaré, Touros, João Câmara e São Miguel do Gostoso.
O parque que a Wobben está implantando será erguido numa área arrendada a Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Associação Alívio, de onde também saíram trabalhadores para as obras e a fábrica. "Nossa expectativa é por uma renda melhor no futuro", diz o presidente da Associação, Atiliano de Souza. Segundo ele, a CPFL arrendou os 645 hectares de área por um período de 37 anos. As famílias que moram no local terão direito a um percentual mensal dos ganhos com o negócio, quando a energia começar a ser gerada. A expectativa é que o parque termine de ser implantado no segundo semestre de 2012.
Aumento da demanda E DA RENDA estimula negócios
A expansão dos investimentos na geração de energia eólica, puxada pela constância e velocidade dos ventos, mas, sobretudo, pela realização de leilões do governo que garantem mercado para a energia, tem impulsionado a criação de empregos no interior e também o crescimento e a abertura de novos negócios.
Um dos que investem movidos pela onda dos ventos é o engenheiro Alexandre Magno da Silva, 51. Ele nasceu em Natal, mas mora em Parazinho há 11 anos. Na cidade, já investiu, por exemplo, em uma loja de móveis e eletrodomésticos, a única da cidade.
O negócio mais recente, inaugurado há dois meses, é uma pousada que deve ter o número de quartos elevado de 12 para 30 até o fim do ano e ganhar também sala de jogos e sala de ginástica. "Percebemos que a cidade não tinha estrutura para receber os investidores e resolvemos apostar nisso", conta. "Mas, depois de a pousada ter ficado pronta, vimos que existe mercado além da energia eólica. Representantes comerciais e profissionais liberais também nos procuram", diz. Os quartos da pousada foram alugados a Wobben. O público que chega avulso não está encontrando vaga.
Mas a escassez deve ficar menor ainda este ano. Um investidor de João Câmara também resolveu construir uma pousada em Parazinho.
ALIMENTAÇÃO
De olho na nova demanda, outros negócios vêm se expandindo ou surgindo. O bar da família de seu Ozivan Gomes da Silva, 52, por exemplo, só vendia petiscos e agora serve café, almoço e janta.
Sebastião Moura de Souza, da associação Alívio, foi outro que aproveitou o movimento na cidade e abriu um negócio. Ele começou vendendo lanches, até que um dia um grupo de trabalhadores bateu à porta em busca de galinha caipira. "Nós fizemos a galinha e eles passaram a vir almoçar todos os dias", lembra ele, que vende uma média 15 a 20 refeições diariamente para empregados de empresas terceirizadas e fez um "puxadinho" no terraço de casa, mobiliado com duas mesas e algumas poucas cadeiras para receber a freguesia. Bastião, como é mais conhecido, espera fechar contrato com uma das firmas para garantir mercado, a venda de 40 a 50 almoços diários, fora os avulsos que atende de segunda a sábado. Ele também pensa em ampliar a estrutura. E quando a construção dos parques acabar? "Aí meu público vai ser, talvez, o turista que vier visitar o parque", projeta. "Mas também se não tiver mais ninguém para atender, a gente fecha a porteira e continua plantando. Senão", diz.
Embora visível em algumas áreas, o processo de crescimento de Parazinho, que ganhou impulso com a chegada dos projetos eólicos, ainda é considerado lento ou quase nulo, diz Fernando Scapol, da Wobben. "Deveremos trazer ainda este ano mais 500 pessoas, aproximadamente, para trabalhar na montagem dos parques. A dúvida é onde irão se alojar. Nem Parazinho e talvez nem as cidades do entorno comportarão essa demanda", resume. Ele conta que a fábrica foi implantada em parazinho de forma estratégica para atender os parques eólicos da região. Como as torres são pesadas, seria difícil trazê-las de outro estado como o Ceará. Além da distância, as condições encontradas nas estradas não ajudam. A estrada que liga João Cara a Parazinho, por exemplo, é recheada de buracos, que exigem uma capacidade enorme de drible por parte dos motoristas.
Aldemir Freire • economista e chefe do IBGE RN
"É preciso qualificar mão de obra para manutenção e pesquisa"
Que influência a implantação de parques eólicos pode ter no desenvolvimento de municípios como Parazinho?
O primeiro impacto é a geração de empregos. Todavia, é muito importante que a gente lembre que esse boom é temporário e que pode ser muito semelhante ao que ocorre naqueles grandes municípios, por exemplo, da região Norte, onde estão sendo construídas grandes usinas hidrelétricas. Nesses municípios há boom no momento da construção, algumas cidades dobram de tamanho, dada a quantidade de pessoas que chega para trabalhar, mas terminou a obra aquilo some. E aí você tem um impacto de volta que é negativo. Então é importante observar que esse boom de empregos gerados vai durar certo tempo, mas vai parar quando os parques estiverem construídos. O impacto na geração de empregos é temporário e é preciso que os municípios compreendam essa dinâmica.
O que fazer para aproveitar esse boom, mesmo que seja temporário?
A ideia é capacitar mão de obra mais qualificada para após a construção dos parques, em áreas como pesquisa, inovação, produção e manutenção desses equipamentos. A geração de empregos após a fase de construção é menor, mas é preciso levantar qual o perfil da mão de obra que vai se demandar e aí procurar capacitar profissionais na direção dessas demandas. O esforço caberia tanto ao estado quanto aos municípios. As prefeituras podem também aproveitar o que ganham nos momentos de construção, quando a receita dos municípios aumenta, e fazer investimentos na infraestrutura básica (ex. estradas, saneamento.)
E nessa fase em que o número de parques em implantação ainda é crescente?
O que precisa ter é mão de obra disponível para esse trabalho, ou seja, é preciso facilitar essas contratações, facilitar a aproximação dos trabalhadores com esses investimentos, é capacitar o pessoal para trabalhar. Aí se aproveitaria o ciclo (de crescimento).
Fonte: Tribuna do Norte